O CAOS AEREO, O LEITE LOPES E A MEDIOCRIDADE

Temos assistido ao festival do caos aeronáutico no Brasil. Atrasos nos vôos, demora em viajar de avião maior do que se fosse de ônibus, aviões que trombam em manobras nos pátios, aviões que escorregam nas pistas e até já tivemos um que ficou pendurado sobre a av. Bandeirantes, em Congonhas. Ações judiciais para interdição dos piores aeroportos nacionais: Congonhas, Leite Lopes e certamente que muitos outros. Aeroportos inadequados, projetados para demandas muito aquém do mínimo desejável.

As discussões passam pelos sistemas de controle aéreo, controladores “indisciplinados” que se recusam a atender 14 aeronaves ao mesmo tempo quando o padrão, segundo eles, deveria ser de 7, entre muitas outras causas. A discussão vai longe.

Mas, talvez o principal não esteja nessas áreas em discussão e o caos aparente só esteja escondendo um outro fator, mais importante e mais aterrorizador, qual seja a mediocridade na capacidade de planejamento das instituições que têm como única responsabilidade garantir a infra-estrutura de base ao desenvolvimento nacional. Uma dessas infra-estruturas é a aeroportuária.

Aeroportos com pequeno número de pistas ocupando áreas restritas e impedidas de ampliação pela ocupação urbana do seu entorno, não permite a ampliação do número de pistas nem o aumento de seus comprimentos para poder receber aeronaves de maior porte.

Aeroportos dimensionados para atender a demandas baseadas nas projeções futuras do uso dos aeroportos no conceito de triângulo das Bermudas, em que se transformou o eixo Rio – S. Paulo – Brasília, cujo público era composto por políticos, funcionários públicos, intelectuais, artistas e executivos, ou seja, um mercado exclusivo para os privilegiados dentre uma sociedade com uma distribuição de renda cruel.

Esqueceram-se que o Brasil é um país continental e que um dos fatores de integração nacional é o transporte aéreo. Que um dia essa má distribuição de renda iria se reduzir. Fazer previsões de demandas projetada para vinte anos com uma base de dados medíocre só pode gerar uma projeção medíocre. Esses estudos foram feitos nas décadas de 70 e 80.

O principal problema gerador do caos aéreo foi a falta de capacidade de planejamento com base em dados objetivos e previsíveis. Faltou em pensar grande. Sobrou mediocridade.

Vamos fazer uma conta rápida: quantas pistas internacionais (comerciais) temos no estado de S. Paulo? Cumbica 2, Congonhas 2, Viracopos 1 total 5. Londres tem 2 aeroportos. Um deles, sozinho, tem 5 pistas. Serviu de exemplo?

Esses aeroportos no exterior, embora dentro de áreas urbanas, têm áreas patrimoniais da ordem de 2000 ha. Certas pessoas, ao usarem desses aeroportos, logo se tornam especialistas e afirmam que não existe problema nenhum de aeroportos em áreas urbanas. Então, justificam a existência de um aeroporto do tipo de Congonhas. Só que este aeroporto tem área de 163 ha. Ou seja, menos que 10% da área de um aeroporto internacional a sério...

Quando o ministro Mantega afirma que o caos aeroportuário é o resultado da melhoria da economia do país, não está falando bobagem. É verdade, sim.

Quando é que nós assistimos a entrevistas nos aeroportos com eletricistas, pedreiros, atendentes de enfermagem em lugar de apenas de doutores?

Bobagem foi não ter sido prevista essa demanda. E, como a distribuição de renda no país ainda é cruel, como ficará quando essa distribuição de renda melhorar um pouco mais? Será o caos dentro do caos!

Parabéns, portanto, aos planejadores do sistema aeroportuário nacional.

Já que não é possível aumentar o número de pistas em Congonhas e outros aeroportos, o que fazer então, na opinião desses planejadores: internacionalizar outros, como por exemplo o Leite Lopes. Resolve-se um problema criando outro, pior ainda e ainda por cima mais cruel, porque se expulsam milhares de pessoas e submetem-se as que permanecerem ao ruído aeronáutico. Os moradores do entorno de Congonhas que o digam...

Prepara-se a internacionalização do Leite Lopes na condição de aeroporto cargueiro, com base num EIA-RIMA encomendado e tirado a fórceps através do sistema judiciários (o DAESP não queria fazê-lo, contrariando a legislação). E, depois de ampliado, o Leite Lopes ficará com uma área patrimonial de 340 ha.

Deve ser merecedor de ser incluído no Guiness (livro dos recordes) como o menor aeroporto cargueiro do planeta!

Para não nos alongarmos muito, podemos levantar apenas 2 pequenos problemas:

Para a ampliação serão expulsas mais de 6000 pessoas, das quais a maioria não é favelada mas mora em suas casas, construídas ao longo de muitos anos, com muito sacrifício, em terrenos com escritura e registro em cartório e com o Habite-se da Prefeitura, sendo que o custo total dessa ampliação é igual á construção de um aeroporto novo, zerinho, em área de canaviais, sem gente para ser expulsa de suas casas e com ampla possibilidade de ampliações futuras tanto no comprimento da pista como no número de pistas. E ainda sobra verba para comprar a fita e a tesourinha para a inauguração.

O segundo pequeno problema é que o Leite Lopes está confinado entre o anel viário (Anhanguera) e a ferrovia. O aeroporto internacional de que tanto se fala por aí, não cabe no Leite Lopes. O máximo operacional possível de comprimento de pista é de 3000 metros e o menor cargueiro exige (Boeing 767) o comprimento básico corrigido de 3290 metros e os cargueiros um pouquinho maiores como o MD 11, de 3408 metros, o DC10 de 3866 metros e o B 747 de apenas 3913 metros. Além do comprimento básico é necessário acrescentar um pouco mais de pista para a segurança das operações. Por isso, as pistas cargueiras de grande porte de media densidade têm um comprimento de pista entre 3900 e 4100 metros. Só para a pista cargueira, a zona de exclusão de ruídos exige cerca de 650 ha. O Leite Lopes terá apenas 340 ha, incluindo as instalações para facilidades, retroporto e o Terminal de Passageiros.

O aeroporto internacional, tão propalado e defendido por certos setores da sociedade ribeirãopretana, não cabe no Leite Lopes. Não é um problema ideológico: é um problema de espaço físico.

Se o aeroporto, com pista cargueira a sério, não cabe no Leite Lopes e se a construção de uma aeroporto novo sai pelo mesmo preço da ampliação do Leite Lopes, qual é a relação com o caos no sistema aeroportuário? A única coisa em comum é a mediocridade.

A propósito de mediocridade, é importante ressaltar que esse termo não é pejorativo nem chulo. Consta no dicionário que é a capacidade de ser medíocre e. este, significa apenas que é abaixo da média. Será que o atual caos nos aeroportos deve-se a um planejamento maior que medíocre? A ampliação do Leite Lopes poderá ser enquadrada dentro desse padrão?

Para finalizar, resta a seguinte pergunta:

Será que Ribeirão Preto vai ter um aeroporto adequado para apoiar o seu desenvolvimento futuro, ou vai ter apenas um aeroporto marca Congonhas ano 70?



Este texto foi produzido pelo camarada Lênio, secretário de meio-ambiente do diretório municipal de Ribeirão Preto do PCB.